Em cartaz, o hipnólogo (primeiros passos para trabalhar com hipnose de palco) - Rafael Baltresca

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Em cartaz, o hipnólogo (primeiros passos para trabalhar com hipnose de palco)

by ohipnologo

E então João da Silva termina seu décimo quinto curso de hipnoterapia. Pense num cara apaixonado por ajudar pessoas a mudarem seus hábitos e transformarem suas vidas. Só uma coisa desperta mais a paixão dele: fazer cursos de hipnose. João é foda. Teve que esmagar o último diploma na sala. É tanto certificado que quase não dá para ver a cor da parede.

E assim, aos seus 43 anos de idade, barriguinha saliente, bigode encorpado e nenhum cabelo branco graças ao milagroso Grecin 2000, segue a sua vida de hipnoterapeuta: às vezes tranquila, às vezes turbulenta, muitas vezes desafiadora, algumas vezes pacata, interessante e intrigante também. De manhã, da Silva olha para o espelho, dá aquele sorrisinho maroto com o canto esquerdo da boca e vê à sua frente um terapeuta de sucesso.

Até que num certo dia ensolarado, com a brisa suave matinal lambendo sua nuca, enquanto pássaros amarronzados pipilam sobre seu telhado, João resolve se enveredar pelo mundo do show business.

– É isso aí!, diz com a certeza de um dobermann faminto. Quero fazer shows de hipnose, afinal, quanto mais gente me assistir, mais vão conhecer o meu trabalho de terapeuta, além de desafiar-me a aprender algo novo e, claro, me dar o direito de colocar mais diversão na minha vida. A partir de hoje, vou fazer shows de hipnose.

E continua: A técnica, já tenho. Só preciso pensar em umas rotinas inovadoras… hmmm…. Já sei! Esquecer o nome, pistola do sono e ver o artista preferido. Pronto! Já estou preparado…

Apressado, nosso querido João faz um vídeo-selfie caseiro, com a lente meio suja/meio molhada, mais ou menos assim: Olá.. a partir de hoje, você pode contar comigo para um incrível show de hipnose em sua festa ou em sua empresa. Quer descobrir os verdadeiros poderes da sua mente? Quer um evento único repleto de surpresas e momentos intrigantes? Então ligue agora mesmo para Johnny Silver e surpreenda-se… Gostou desse vídeo? Então curta, compartilhe e inscreva-se no Canal… Semana que vem tem mais. Fui!

Pronto! Agora é só usar tudo que sabe de marketing: subir o vídeo no YouTube, compartilhar no Face e rezar três Ave-marias e dois Pai-nossos.

Rezar

E assim começa a vida nos palcos do Johnny. Muita empolgação, muita fé no futuro e muitos “stories” no Insta. O que o Jhonny não sabe é que para entrar de cabeça e fazer a diferença sobre os palcos, é preciso bem mais que uma bela técnica de hipnose, gel no cabelo, uma camisa para fora da calça e algumas rotinas batidas.

Sorte do Jhonny que encontrou o manual abaixo em um dia de chuva, numa esquina de um site qualquer. Azar do Jhonny que só encontrou este manual depois de 3 anos trabalhando com hipnose de palco, exatamente no dia em que pensava em desistir desta nova carreira. 


Manual – Primeiros passos para trabalhar com hipnose de palco,
por Rafael Baltresca


1 – Faça um checklist completo.

Por mais que você goste de decorar tudo, não confie em sua memória quando o objetivo é ser profissional. Faça uma lista gigante, separada por blocos, com tudo que você precisa para o show. Vai viajar? Escreva tudo, timtim por timtim. Por mais óbvio que pareça, lembre-se que um item esquecido pode dar uma grande dor de cabeça. 3 meias, sapato, 4 calcinhas, 4 cuecas, fita isolante, cabo de som, pendrive com as músicas, computador, cabo de força para o computador, barbeador, 4 pilhas para microfone, escova de dentes, celular, carregador, pasta, perfume, carteira, cartão de crédito, RG, pijama, pantufa do Mickey, microfone, 12 panos pretos, óculos, etc etc etc etc etc etc.

E sempre que notar a falta de algum item, insira-o IMEDIATAMENTE no checklist. No começo é chato e dá trabalho, mas depois você nem precisa pensar para se preparar. É pegar o checklist e conferir item por item. Isto também te ajuda na hora de voltar para casa; o checklist impede que você se esqueça de algo no local da apresentação.

(Neste momento, os olhos do Jhonny ficaram esbugalhados e um misto de alegria e arrependimento percorreu por seu corpo. Jhonny procurou uma caneta para fazer anotações, mas não encontrava. Tinha deixado sobre a cômoda. Pegou o celular e tentou gravar um áudio também, mas a bateria estava para acabar. Enquanto devorava o manual, pensava: checklist, caraio! Checklist!)

Checklist


2 – Segurança em primeiro lugar.

Coloque uma coisa na cachola: Independente se o show vai bem, se as pessoas serão hipnotizadas ou se você vai ficar de mimimi pelo resto da vida, a segurança dos sujeitos sempre está em primeiríssimo lugar. Então, anote aí:

  1. a) Teste todas as cadeiras antes do show. É isso mesmo. Sente-se em cada uma delas para certificar-se que nenhuma perna está bamba.
  2. b) Verifique quantas pessoas o palco aguenta. Um palco não tão robusto pode acabar com o seu show e com a sua carreira caso haja algum problema de estrutura.
  3. c) Certifique-se que as escadas que dão acesso ao palco também estão firmes e prontas para o uso. Caso não haja corrimãos, deixe alguém de prontidão para descer e subir os participantes. O estado de sonolência após algumas fases da hipnose somado a uma escada sem corrimão só pode dar MER%A!
  4. d) Cadeiras sem rodinhas e com encosto. É isso mesmo! Deixe bem claro que você precisa de cadeiras SEM RODINHAS e COM ENCOSTO para o seu show. Mesmo que seja óbvio para você, para seu contratante pode não ser. Imagine-se chegando no evento e se deparando com 10 bancos altos sem encosto. Imagine-se chorando também.

(E pensando nas cagadas que tinha feito por não se atentar aos detalhes básicos de segurança, Jhonny começou a andar sem rumo. Malinha na mão esquerda, guarda-chuva aberto desconfortavelmente preso com o ombro e pescoço, manual do Baltresca na mão direita à altura dos olhos e, fazendo bico de choro, pensava: Era só ter testado o palco antes, droga. Era só ter testado….)

segurança


3 – Sistema de som / microfone.

Um som inaudível, com chiado, pode arruinar o trabalho de qualquer um nos palcos. Recomendo fortemente que você não dependa do sistema de som que irão te oferecer, mas, caso você não possa ter o seu próprio equipamento, teste alguns dias antes o que você irá utilizar. Quer uma dica boa? Coloque tudo no contrato.

É óbvio, mas não custa falar: trilha musical em CD, JAMAIS! CDs foram feitos para pular. Leve uma pessoa com você para ficar responsável pelas trilhas sonoras no pendrive ou, melhor ainda, no SEU COMPUTADOR. Ah, lembre-se de usar músicas sem direitos autorais, caso contrário, basta subir o show no YouTube para receber uma penalidade por isso. Fale com o tio Google e escolha algumas dentre as milhares músicas sem direitos autorais disponíveis.

E falando em microfone, não caia na besteira de usar headset (estilo Madonna ou Ana Maria Braga). Além da captação ser inferior a um microfone bastão mediano, ele tira a sua mobilidade. Sabe por quê? O microfone bastão pode ser colocado próximo à boca de um participante para responder algo ou ser colocado de lado caso você não queira que a sua voz seja ouvida por todos. O headset, não!

Acredite, acostumar-se com pedestal é mais fácil que você imagina. Headset – JAMAIS!

(Jhonny, ainda com o guarda-chuva aberto, continua andando e nem percebe que a chuva parou.)

Mic


4 – Interaja com a plateia.

Coisas estranhas acontecem por aí. Uma delas é ver o hipnólogo se concentrar apenas nos hipnotizados e simplesmente se esquecer da plateia, muitas vezes fazendo o show completo de costas para o público. Lembre-se sempre da experiência proporcionada a quem está te assistindo. Olhe para eles, sorria, explique o que está acontecendo, faça brincadeiras e traga-os para interagirem com os sujeitos hipnotizados. Assim, o show fica divertido para quem vem para o palco e para quem fica na plateia.

(Neste momento, Jhonny entrou no primeiro bar que encontrou. Ainda com os olhos no manual, fez um gesto rápido e pediu uma coxinha e uma Coca-Cola sem gelo. Leu novamente o item anterior e forçou-se a olhar para o garçom e lançar seu famoso sorriso maroto. O garçom notou um pedaço da coxinha nos dentes de Jhonny e sorriu de volta.)
plateia


5 – Tenha sempre um assistente preparado.

Você nunca sabe quando uma ab-reação pode aparecer em seu show. Pode ser no final da apresentação, mas pode ser bem no começo também (falo por experiência própria). Manter um assistente que saiba o básico de hipnose terapêutica pode ser a sua salvação em momentos delicados. Assim, a plateia percebe que pode curtir o show tranquilamente enquanto uma das pessoas está sendo devidamente atendida. Trate a situação da forma mais normal possível e, ao final do espetáculo, traga a pessoa de volta ao palco, faça uma breve entrevista com ela – exaltando o poder de sua mente – e deixando claro para todos que “está tudo bem”. Importante: é sua obrigação, ao terminar o show, dar toda atenção e suporte que esta pessoa precisar.

(Nosso protagonista continuava atento, pensando nas besteiras que tinha feito, e fitava o texto como se fosse a Bíblia Sagrada. E como um bom seguidor, dizia em voz alta: Meu Deus! Meu Deus!)

assistente


6 – Leve muitos panos pretos.

Muitas mulheres podem responder incrivelmente à hipnose, mas, quando estão usando vestido ou saia curta, não devem ser chamadas para o palco. Primeiramente, pois quando estiverem sentadas viradas para o público, vão ficar tão preocupadas com o que está sendo visto que podem bloquear qualquer tentativa de hipnose; segundo – e muito mais importante – é a enorme falta de respeito caso alguma peça íntima seja exposta durante o espetáculo.

Resolver isso – e mantê-las no show – é muito simples: leve MUITOS PANOS PRETOS com você. Assim que uma moça subir ao palco, ofereça este pano. Isto mostra respeito às participantes e, com este ato ético e respeitoso, a probabilidade de confiarem em você e serem hipnotizadas, só aumenta.

(Jhonny já não tinha mais vontade de comer aquela coxinha. E não é porque já estava fria. Antes da próxima mordida, deixou a coxinha pairar sobre o balcão melado e sentiu vergonha de si próprio por, uma vez, ter deixado uma moça magra, com uma minissaia amarela e blusinha acima do umbigo ficar deitada no chão, hipnotizada, com suas – como posso dizer – partes privadas à mostra. Que vergonha, pensava. Que vergonha.

Ainda no bar, uma menina de rua se aproxima de Jhonny, toca em seu ombro direito e pergunta: tio, o senhor pode me ajudar com alguma coisa? Jhonny concorda com a cabeça e murmura: posso… agora eu posso. E ela espera. E ele continua lendo…)

pano preto


7 – Faça contrato. 2 vias, assinadas por todos.

Pois é… para virar gente grande de verdade, tem que ter contrato. Por mais que o cliente seja “gente boa” e que tudo pareça um mar de rosas, um contrato pode fazer toda diferença. Data e valor a ser pago, condições de palco, luz e som, quantidade e tipos de cadeiras, horário de montagem e início do espetáculo, alimentação para você e equipe e tudo que você achar necessário deve estar explícito e assinado por você e pelo cliente.

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8 – Dê Nota Fiscal.

Por mais você que creia que nosso Governo corrupto não mereça o seu dinheirinho conquistado com tanto suor, você DEVE emitir Nota Fiscal para todos os seus clientes. Primeiramente, você consegue comprovar o dinheiro em conta na sua declaração de Imposto de Renda; segundo, é quase impossível ser contratado por grandes empresas sem que você tenha uma firma aberta e emita a NF. Meu amiguinho, já passou da hora de pensar como gente grande e, se isso te confortar, lembre-se de que quanto mais Notas Fiscais você emitir, mais dinheiro está entrando na sua conta. Vá atrás de um contador hoje mesmo e descubra que abrir uma empresa e trabalhar legalmente não é tão complicado e nem tão caro assim.

(E o nosso querido João da Silva, que já estava quase abandonando o nome artístico e a nova profissão, enfia a mão no bolso, retira umas notas amassadas de 2, 5 e 10 reais e dá para a menina: tó… não foi para o Temer. Vai pra você.)

nota


9 – Pare de copiar o que você vê pela internet.

E aí? Vamos montar a sua própria rotina? Ao invés de “esquecer o nome”, que tal “esquecer de como bater palmas”? Ao invés de “ver o ídolo”, que tal “ver os Gremlins”? Liberte-se da prisão da cópia e crie seu próprio show. Eu sei que é muito mais fácil apostar no que sabemos que vai funcionar do que tentar o novo, mas, a longo prazo, ter um show 100% autoral vai te ajudar a ser mais contratado e reconhecido pelo mercado. A menos que você queira viver fazendo cover. Bom, aí é escolha sua. Se você for japonês, está mais fácil… o Pyong é uma boa opção. Pense em nomes como Ping-Pong, Ping-Long, Hong-Kong….

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10 – Filme o seu show. Sempre.

Eu sei que é um ‘saco’ ficar vendo a gente mesmo, mas não tem escapatória. Filmar cada show nos faz encontrar momentos que podem ser melhorados, hiatos em nossa comunicação e ajuda-nos a criar incríveis materiais em vídeo com várias cenas, lugares e reações diferentes. Como nunca sabemos qual será o show ÉPICO que vamos querer mostrar para nossos netos e para todos em nossas redes sociais, acostume-se a filmar TODOS os seus espetáculos.

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11 – Leve cartões de visita.

É hora de divulgar seus trabalhos como showman e, claro, seus atendimentos terapêuticos. Então, já sabe: cartão no bolso da calça, do paletó e em cima da mesa.

(Jhonny respira fundo e para de ler o manual. Decide fazer umas ligações, ver alguns vídeos no YouTube e postar alguma bobeira no Face. Acho que era uma foto de um esquilo que guardava no celular… sei lá. Na verdade, Jhonny estava começando a entender que a hora não era de lamentar, mas de recomeçar.)

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12 – Peça autorização pelo uso de imagem.

Era uma vez um hipnólogo que fez um show incrível, em um lugar lindo, com uma plateia linda e teve que jogar fora todas as fotos e vídeos porque não autorizaram o uso das imagens. Pois é, como já dizia o Roberto Carlos, ESTE CARA SOU EU. Se eu tivesse anunciado antes que o show seria gravado e pedido autorização de imagem, esta história não teria acontecido. Faça um documento simples – tem centenas de modelos na internet -, entregue para os participantes, avise antes de começar e ponto final. Está tudo certo!

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13 – Venda! Venda! Venda!

Brasileiro que se preze, gosta de levar uma lembrancinha. É uma forma de te embrulharem e te levarem para casa. É um jeito carinhoso de ter esta recordação por muito tempo, além de poder presentear alguém que não esteve presente. Canecas, camisetas, fotos, DVDs… use a sua criatividade, venda após o show e não tenha vergonha. Da mesma forma que você gosta de comprar, o seu público também gosta. É honesto, ético e pode ser mais uma fonte de renda para você. Ah, antes de armar a barraca, lembre-se de pedir autorização para o seu cliente com antecedência.

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14 – Peça depoimentos.

Terminou o show? O cliente está super feliz e satisfeito? Então tire o celular do bolso e colha um belo depoimento para o seu site (nem preciso dizer que deve estar impecável, certo?). Isto ajuda MUITO outros possíveis clientes a ‘baterem o martelo’ e te contratarem para o próximo show.

Com o passar do tempo, quando o dindin começar a entrar, largue a mão de ser muquirana e invista em uma câmera legal com microfone. Aí você aproveita, filma o seu show em alta qualidade e já usa a super máquina para pegar os depoimentos.

depoimentos
(Nosso querido Jhonny Silver, que acabara de mudar seu nome artístico para Janjão Silvão, se mostrava feliz. O sorriso maroto, agora, era verdadeiro. Sua mente pensava em caminhos concretos e a caneta emprestada do bar esboçava várias alternativas e processos no guardanapo úmido.

Janjão, sentindo-se mais decidido que uma Rottweiler no cio, pegou o recheio da coxinha que havia caído sobre o balcão e juntou com sua massa frita no exato momento em que recebia uma mensagem no WhatsApp: “Jhonny, tudo certo para o aniversário da empresa na semana que vem. O seu orçamento foi aprovado.”. Yeah!, grita Janjão. “Agora, sim, eles vão ver o que é um show de verdade.”

Janjão não pensa duas vezes. Toma toda a Coca-Cola e abocanha a coxinha com prazer.)

Caso você queira contratar o Janjão Silvão para um evento em sua casa ou empresa, entre em www.janjaosilvao.com.br, mas, se preferir um careca simpático, fale comigo em www.ohipnologo.com.br/contato.

Até breve,

Rafael Baltresca

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Rafael Baltresca

Trabalha como palestrante desde 2001 e com hipnose desde 2007. É um apaixonado pela arte de hipnotizar e um dia ainda vai te fazer dormir...

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