Quando a hipnose falha - Rafael Baltresca

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Quando a hipnose falha

by ohipnologo

Então, na roda de conhecidos, descobrem que você faz hipnose. Tumulto total! Perguntas das mais variadas. Afirmações como “ah, não sei se acredito“, “eu tenho um tio que disse que ficou hipnotizado por 3 anos“, “não tem aquele padre que hipnotiza galinha?“, “como é que chama aquele argentino que vai à TV? Flávio Pontos?“.

Tempo de leitura: 7,5 min

E aí você gasta todo o seu francês para desembaraçar essa nuvem de asneiras que há décadas é divulgada sobre hipnose. E quando revela que o Fábio Puentes – e não Flávio Pontos – é uruguaio – e não argentino – você nem se preocupa com a tréplica: “Certeza que o Flávio não é chileno?“.

Hipnose

Nem se preocupa, pois, neste momento, sua mente já está girando em torno da pergunta que, em breve, virá: “Você pode me hipnotizar?“.

E como num ato de mentalismo, alguém solta: “Bem que você poderia fazer uma demonstração, hein?

Em uma fração de segundos, você faz uma rápida leitura (aquele julgamento que não vai te levar a lugar algum) dos integrantes da mesa. Na ponta esquerda, um moço de aproximadamente 22 anos com o terceiro copo de caipirinha na mão, tentando falar mais alto que todos e impressionar a loirinha ao lado dele. Ao lado, a loirinha com os olhos esbugalhados em você, acenando inconscientemente com a cabeça a cada pergunta que você faz para o grupo. Á sua frente, um japonês de óculos com o celular aceso há 2 horas e ligado no powerbank dentro da mochila. E à sua direita, um rapaz mais velho, com cara de intelectual que não demonstra nenhuma mudança de fisionomia desde o momento em que você começou a falar sobre hipnose.

Em sua cabeça o veredito já está feito e, a cada um, é colada uma fita crepe imaginária na testa com os seguintes dizeres:

1 – Moleque aparecido que dará trabalho. Vai querer provar que ele é o “foda” e resistir a tudo que eu digo;

2 – Loirinha mais sonambúlica que o Wender Guidine. Vai esquecer o nome, números e ver até gnomos dançantes com a cara do Ton Lucas;

3 – Japa nerd. Deve ser tão inteligente e racional que nem o convincer “dedos magnéticos” vai funcionar;

4 – Nem quero pensar o que esse cara está pensando. Descartado!

E aí você dá uma de “armless John” (João sem braço, diga-se de passagem) e lança “Claro que sim… deixa eu ver… loirinha, quer participar?“.

Cenário perfeito! Ela, sentada à sua esquerda. Você com o dedo sobre seus olhos, esperando a mágica acontecer…. esperando… esperando… e a mágica não acontece. Depois de fazer tudo o que podia ser feito, dedos magnéticos, mãos magnéticas, cotovelos magnéticos, pokemon magnético, teste de Spiegel e todo o seu repertório aprendido no Canal do Alberto Delícia, você desiste.

Resultado: uma amnésia bem das “sem-vergonha” com o esquecimento do nome durante 5 segundos e só.

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Aí o cara da esquerda, já na quinta caipirinha, não se aguenta: “sempre achei essa tal de impinonsi meio mentira… faiz cumigu então…“. Aff! Ignorado.

O resto da turma sem reação, a loirinha com cara de “o que eu fiz de errado?” e o intelectual coça o queixo com um leve sorriso no rosto.

– “O desgraçado deve estar me achando uma chacota total. Fiudumaégua! Nunca mais faço hipnose.. nunca mais!

A boa notícia é que o japonês nem viu direito o que aconteceu (ou não aconteceu) pois estava super entretido em atualizar os Apps do IPhone novo dele.

E você muda de assunto, torce para uma boa briga no recinto ou, melhor ainda, alguém desmaiar e chamarem a ambulância. Só para o foco desviar e se esquecerem da palavra HIPNOSE. Frustração, vergonha, humilhação são algumas palavras que te definem.

Meu caro colega, acredite: se isso nunca te aconteceu é por que você deve ter tanto medo de falhar e ferir seu ego inflado que nem tenta. Qualquer um que mete as caras e se arrisca, sem se preocupar com reputação e títulos, um dia já passou por isso ou, certamente, irá passar.

São inúmeras vezes que já recebi perguntas como esta: “O que fazer quando a hipnose falha? Existe algum método para diminuir esta chance de acontecer? Consigo prever o comportamento de um grupo? Tem algum teste para reconhecer os sonambúlicos?

cometa erros

Certamente há o que ser feito nessa situação: você começar a ter vergonha na cara e parar de ser arrogante. O arrogante sofre, pois pensa que é o centro do mundo o tempo todo. Muitas vezes se faz de coitado, mas no fundo quer chamar a atenção, quer ser notado, quer ser visto como alguém especial. E você não é especial. E nem eu e nem ninguém. Colocar-nos como pessoas especiais põe automaticamente todos os outros seres-humanos em um patamar menor: “os menos especiais… os normais”. Sentir-nos os donos da festa, a última trakinas do pacote de ouro, o escolhido, nos traz um fardo eterno, a missão de sempre ter que parecer bom, o objetivo de sempre estar com a razão e nunca fraquejar. É por isso que muita gente passa horas escolhendo as fotos ideias que serão postadas no Insta – tudo que faça parecer bonito, rico, bem-sucedido e sem problemas.

Aceitar que somos normais – como todos são -, que fazemos nossas cagadas diárias e que podemos falhar deixa a vida muito mais leve e nos coloca em um MindSet de crescimento, onde o importante é o processo, o aprendizado e não o resultado idealizado.

Aceitar que somos normais – como todos são -, que fazemos nossas cagadas diárias e que podemos falhar deixa a vida muito mais leve e nos coloca em um MindSet de crescimento, onde o importante é o processo, o aprendizado e não o resultado idealizado.

(Veja só você me julgando porque dupliquei a última linha sem querer…)

Sabe o cara lá da história de cima? Então… ele vacilou feio. Se fosse menos arrogante e estivesse menos centrado em si, poderia ter curtido mais a situação, dado mais risada de suas próprias fraquezas, ganhado mais amigos – pois expor que somos REAIS, com erros e acertos, cria uma empatia monstruosa – e perceberia que a loirinha estava dando um mole lascado! Com ou sem hipnose, a história deles poderia ter sido outra.

Agora ela está lá, sorriso frouxo e toda encantada com o Japa do Iphone.

Rafael Baltresca

Trabalha como palestrante desde 2001 e com hipnose desde 2007. É um apaixonado pela arte de hipnotizar e um dia ainda vai te fazer dormir...

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